segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

paranormalidade

Quando eu tinha uns 10 anos, meus pais tinham acabado de se separar e meu pai arrumou uma namorada nova. Um dia, eu estava com os meus primos em uma festa da família dele (que é enorme). Ele chegou atrasado e logo começou a contar o motivo, que estava relacionado provavalmente ao fato de ele ter passado a noite com ela. Eu não ouvi nada do que ele falou, mas entendi tudo pelas caras reprovadoras e constrangidas que as pessoas em volta fizeram e pelo susto que ele tomou quando me viu. Eu saquei a situação sem precisar ouvir um só palavrão.

Em outra ocasião, quando eu tinha cinco anos, eu estava brincando quando um dos meus irmãos chegou com uma tesoura na mão. Eu estava de costas e não vi. Minha mãe, falando em código, apontou disfarçadamente para mim e disse que tinham objetos presentes no recinto que não eram adequados a uma certa pessoa (no caso, eu). Sem ver toda a encenação, eu falei serenamente: "É, eu sou criança e não posso brincar com tesoura". E continuei de costas, para assombro geral da nação.

Essas histórias ilustram bem todo o período da minha vida em que estive consciente (o que, stricto sensu, não é um período muito longo): eu não entendo muito bem o que as pessoas dizem, posso não ver o que está rolando, mas saco a situação num nível quase paranormal. Não é muito legal porque eu sei quando estão mentindo, sei o que os outros pensam sem mesmo precisarem falar nada, sei quando me odeiam e sei suas intenções escusas. Uma de minhas brincadeiras preferidas é seguir tratando normal e fingindo que não sei quando sei. Recomendo.

Ter esse tipo de consciência é quase ser um primo pobre dos X-Men: você ganha um poder mas é um mais chatinho que vai te magoar e mostrar que quase ninguém é legal de verdade. (Porque, sério, quase ninguém é mesmo)

Enquanto isso, eu sei que o papo da tesoura se refere a mim, sei que meu pai foi pro motel com a namorada, mas o que posso fazer, né? Fingir que isso não existe? Rola toda uma aceitação da "vida real de verdade". O que explica, em parte, esse meu jeitinho especial: eu sou a descrente mais crédula desse mundo. Uma fofa impressionável ou uma megera hipócrita, qualquer coisa serve.