segunda-feira, 27 de junho de 2011

Episódio de hoje

Existem coisas no comportamento humano que deveriam virar minisséries do Animal Planet. Como, por exemplo, a péssima mania que alguns de nós têm de criar laços quando já temos problemas com os já existentes, aceitar compromissos quando nossas agendas estão abarrotadas, inventar novas necessidades quando as necessidades antigas nunca são suficientemente satisfeitas.

Hoje, caminhando pela rua em uma hora livre do meu dia (veja post abaixo), eu passei pelo Sesc Consolação. E me lembrei que uma das blogueiras que sempre leio escreveu um post falando da dependência emocional que desenvolveu com o pavê de cupuaçu de lá. E lá fui eu me aventurar CONSCIENTEMENTE numa nova dependência: todas as vezes em que passar por lá, vou ter que comer o tal doce. Como se não bastasse o japonês da Liberdade, o bombom de pistache do restaurante aqui do lado, o chocolate quente da outra lanchonete aqui do lado, as sopas do sesc pompeia e as pizzas da pizzaria perto da minha casa. E todos os outros vícios alimentares que defendo com unhas e dentes.

Enquanto isso, sem dinheiro e um horário digno que me permita ir aos eventos culturais de que tanto gosto, levo para casa o Guia da Folha toda semana, em busca de novos, imperdíveis e igualmente inacessíveis programas culturais. Aumentando a minha lista de coisas que devo fazer, mas nunca vou conseguir.

E por aí vai. A minha sorte é que, pelo menos com os amigos, eu já aprendi a lição. A decisão mais recente (não tão recente assim, infelizmente) foi a de que não quero conhecer gente nova. Me recuso, tenho preguiça e, assim, me protejo para não botar mais gente num coração já sem espaço.

A difícil arte de se ter tempo

É um mantra. Todo mundo reclama por não ter tempo. Minha mãe, que já se aposentou, reclama que nunca tem tempo pra visitar os outros filhos, resolver todos os problemas, ir em tantos médicos. Meus amigos trabalham muito e sempre estão cuidando de um frila aqui, um curso ali, uma monografia acolá, nunca têm tempo para aquele happy hour querido ou um almocinho que seja. Meu marido é um viciado em estudar e passa os domingos sentindo dor nas costas de tanto ficar inclinado sobre os livros, já que durante a semana concilia trabalho e faculdade.

Eu me sinto mal por ter tempo. Meus últimos cinco anos foram assim: eu equilibrei coisas como aulas de inglês e espanhol, pós-graduação, trabalho voluntário, frilas, trabalho de verdade, faxinas eventuais, cursinho preparatório para concurso e o bom e velho lazer. Agora que não estou fazendo nada disso (com exceção do onipresente trabalho), me sinto meio mal. Hoje saí de casa às 9h30 pra entregar o último documento que faltava na PUC e senti que fechei um ciclo. Terminei tudo às 10h30 e fui fazer uma hora, tomar um café e comer um pavê de cupuaçu para aplacar a minha culpa por ter uma hora sobrando no meu dia.

Não sei se sou eu, se são as pessoas, se é a cidade ou se é a educação judaico-cristã, mas tem algo bem errado nessa história.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

cidade

Só pra complementar o post abaixo: tenho presenciado cenas terríveis que me mostram as consequências de se ter crescido em uma cidade pequena. Não, não é bom, ao contrário do que possam pensar os paulistanos: enquanto aqui se tem uma individualidade extremada, lá a coletividade te engole. Nunca se pode ser você mesmo. Todo mundo fala de você, vigia seus passos, seus relacionamentos, inventa coisas. Te rotulam, te obrigam a se encaixar.

O maior medo que eu tenho é o de voltar. Mas estamos trabalhando nisso.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Muletas familiares

Eu elegi o mundo como minha família. E foi uma escolha difícil. Me afastar, aos poucos, de uma cidade, de um núcleo, de um relativo conforto. Em busca de algo que não sabia o que era, ainda não sei. Mas me afastei.

Fiz uma escolha boa. Lutei muito. Conheci um monte de gente legal, coisas incríveis, comportamentos novos. Derrubei centenas de preconceitos. Me preocupo minimamente com o que os outros pensam. Venci neuras, inseguranças. O afastamento me deixou mais forte: é um modo de vida, ser sozinho e forte.

Desenvolvi outras muletas: meu trabalho, meus amigos, meu amor, minha fome de mundo. Minha muleta maior, porém, foi a auto-suficiência. É comigo que eu conto, com a minha capacidade de raciocinar, tomar decisões, ponderar.

Foi duro, tem sido duro. Tenho tentado ser mais suave. Tenho tentado chorar. Criar laços com minhas raízes. Dói bastante, mas não há como fugir do que se é. E, enquanto isso, enquanto tiro todos os monstros empoeirados do armário, entendo que essa, sim, é a minha fraqueza.

(essa é a segunda versão desse texto. tirei a última frase)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

blasé

Era assim: eu cheguei e me deslumbrei com os prédios enormes, a diversidade das pessoas, o anonimato. Me emocionava com isso, com as tribos, com o fato de ser diferente e normal. Achava engraçado as caras de enfado no metrô, já que se tinha tanta coisa pra ver. Por que aquelas caras?

Aí eu fui vivendo. Percebi, primeiro, que olhar as pessoas no metrô podia parecer uma afronta, podia parecer uma paquera. Fiquei mais contida, mas ainda assim curiosa.

Depois fui me acostumando. Minha mãe vem pra cá e quase arranca o meu braço quando vê um monte de japonês na Liberdade, vários casais gays na Paulista, um cara de cabelo verde e piercings espalhados pela cara toda. Eu, que vejo dezenas de tipos diferentes todos os dias, não acho nada demais.

Não há nada mais pra se olhar no metrô, agora. Talvez a TV metrô, talvez a roupa de alguém, mas nada muito especial. Os assuntos estão tão rasos, meus amigos conhecem todos os trending topics do twitter, o último tumblr, todos deram o último furo e fizeram a melhor piada sobre ele.

E é nessa hora que eu percebo que eu virei blasé. Eu ganhei aquela cara de enfado que eu não entendia quando olhava todas aquelas pessoas no metrô. E, eu não sei como, não consigo deixar de relacionar isso com uma produtora de TV que conheci, que só se animava com uma pauta quando ela tinha várias mortes. Porque carnificina, sim, é que é pauta.

E fatalmente chego a uma conclusão de que uma vida com emoção demais torna a gente cada vez menos humano. Espero, de verdade, estar errada.

terça-feira, 7 de junho de 2011

a tia do metrô

Na semana passada, eu fui pegar o metrô às cinco da tarde. Pra quem não conhece SP, pra quem não conhece o metrô, pra quem não conhece a linha vermelha, é uma coisa linda de se ver. Ainda mais às cinco da tarde. Eu não tinha escolha, o salário não tinha caído na conta e o trânsito ainda não me permitia pegar um táxi, então fui com a cabeça vazia e o coração humilde.

Peguei a maior concentração de pessoas que já tinha experimentado dentro de uma estação de metrô. Tudo bem, respirei, eu tinha tempo. Peguei a fila humildemente e vi passar um, dois, três trens. Me intrigou o fato de a fila não diminuir tanto quando os trens chegavam, como geralmente acontece em estações mais vazias. Me aproximei e vi. As pessoas não enchiam totalmente o trem. Algumas entravam, se sentavam. Outras, poucas, ficavam em pé. E tinha espaço pra mais pessoas entrarem, só que elas não entravam. Fiquei meio intrigada, mas o tempo passava e já começava a apertar.

Foi quando eu encontrei a tia. Ela estava lá na frente. Falando até babar. Reclamando que as pessoas não respeitavam os outros, que só pensavam em si mesmas. Porque ela preferia não entrar no trem quando tinha a possibilidade, porque queria esperar pra ir sentada. Mas que muitas pessoas passavam na frente, fingiam que iam entrar no trem e não entravam só pra ficar na frente dela e elas, sim, irem sentadas.

Ela estava louca de tanto falar. Repetiu a mesma coisa pra umas cinco pessoas, e quando alguém não dava mais atenção, ela elegia uma outra pessoa com o olhar. Se rolava um contato visual, ela voltava ao mesmo assunto.

E aí o trem chega. E ela calcula que, nesse, ela também não conseguirá ir sentada. E eu, atrasada, começo a tentar entrar. Ela, parada, impassível. Eu peço licença. Ela, imóvel, NA FRENTE DA PORTA DO TREM. Parada. Eu peço de novo, dessa vez com um tom mais audível. Ela começa a berrar, descarregando toda a sua ira contra os que passam na frente: "Estou no canto, minha filha, dê a volta e entre, lofnaoefjkcvndklvfnhcfl". Nâo tinha como dar a volta. Me enfiei entre duas pessoas e consegui entrar no trem relativamente vazio. Fui em pé, claro. Mas sem problemas. Cheguei atrasada ao meu destino.

REFLITAM.

E não, não vou comprar um carro.