terça-feira, 31 de maio de 2011

short story

Os pés na areia, uma areia grossa, quase pedra. A água do mar lambia os pés, deixando pequenas linhas, pequenas curvas, desenhos sem fim. Que sumiam. E logo voltavam, em outros lugares.

Rimos, jogando as cabeças para trás. As mãos se apertam, fortes, toda a força que temos. O mar cinza, feio, a areia cinza, feia. Do céu, chove quase pouco. O casaco de lã que mal cobre a minha nudez, sujo de areia, sujo de corpo, de maresia. Ele me olha com o olho mais preto do mundo. Meu dente dói.

Antes, bem antes, havia uma cidade, um apartamento. Amigos, família, vinho às sextas, um plano de previdência. Um trabalho. Dois trabalhos, o meu e o dele. Havia malas prontas pra viajar nas férias de janeiro. Passeios no shopping, vontade de comer sorvete nos dias de sol. Havia.

Depois daquele ano, quando decidimos vir. Viemos, atravessando o mato todo com malas. Viemos trazendo as coisas de barco, as poucas coisas, móveis, coisas pra comer, coisas pra fazer comida. Uma casa só nossa, na beira da praia, sem plano de previdência, sem passeios no shopping. Uma casa de dois andares. Rede, sexo, um vinho às vezes. Saídas furtivas para comprar comida, que medo de sermos descobertos.

Bate um vento e meu cabelo embaraça mais. O dente dói, e rimos. Os pés nus começam a ficar arroxeados, anoitece. Venta mais, e meu cabelo preto voa na cara dele. Somos jovens. Choramos, as mãos se apertam demais.

Desde aquele ano espaçamos nossas idas. Fugimos sempre, fingíamos sempre. Tortura de ir à cidade, andar pelas vielas mais sozinhas. Conversar um pouco pra não despertar ninguém. Conversávamos bem. Somos velhos. Ninguém desconfia. Voltávamos tristes, angustiados. Deitávamos na areia e passávamos o dia assim. Pálidos e calados. Mortos de medo e sono.

Aos poucos, a areia. Caminhamos, caminhamos, íamos e voltamos. Ríamos. Menos roupas, também no frio. A casa ficou distante, mesmo a poucos metros. Os quartos. A cozinha com aqueles móveis todos. Nada de fazer comida.

Comemos. Uma papaia que caiu no chão ali. Rimos com as sementes brotando de nossas bocas. Meu cabelo, branco, o dente que dói. Ele é lindo. Me lembra que temos papaias, rimos da nossa dieta, papaias, peixe cru e flores coloridas que podemos esfregar na cara também. Ele, magro, magro.

Depois que deixamos a casa, fui lá uma vez. Vi ratos comendo restos quase nada. A maresia já começava a comer um pouco das coisas. Voltei feliz. Deixei a porta aberta, e andei aqueles cem metros até a praia, a casa continua ali, fazendo sua sombra sobre nós. Lá deixei nossas roupas, com exceção do casaco velho de lã e da camiseta rota que usávamos. Somos nus. Nossos corpos brilham de sal, mesmo à noite.

Deitamos e encostamos as pontas de nossas cabeças. O mar avança e molha o meu casaco, está tão frio. Os dentes batem e rimos, rimos. Eu passo a mão no cabelo dele, o cabelo caindo. O olho preto, sinto me olhando, mesmo no escuro.

Depois da papaia, não comemos mais. Olhamos o mar, ele avança e volta, deixa linhas, mas não nos movemos. Os pés tão gelados, vimos o sol nascer por trás de tantas nuvens. Chegam ostras. Comíamos ostras antes de pararmos com a comida, com as roupas. As mãos sangram, as unhas crescidas apertam demais. Os topos das cabeças encostados, olhamos pra cima. De repente, ele dá um pulo e me lembra. Seus olhos, pretos, pretos. Entramos no mar, e caminhamos.

Não paramos de rir, de repente ficou tudo engraçado.

Somos jovens.

me deixa

E se os seres humanos não tivessem descoberto o fogo, a roda, a tecnologia? E se depois de milhares de anos continuássemos os mesmos, com estruturas sociais mais complexas, talvez. Mas sem tecnologia.

A TPM talvez já tivesse sido "sacada" pelos machos de então. E as próprias fêmeas teriam dado um jeito de se proteger, se afastar e tentar sofrer menos bullying da sociedade só porque, daqui a alguns dias, fatalmente irão sangrar.

Hoje, cercada de tecnologia, concreto e absorventes higiênicos, eu penso que, caso o planeta sofra uma hecatombe nuclear e precisemos voltar à idade da pedra, ou caso não tivéssemos evoluído, eu agiria como os elefantes quando vão morrer. Me afastaria. Fingiria que ia comprar cigarros e não voltaria mais. Esperaria o bando ir embora, passaria os meus dias de menstruação de boa curtindo uma cachoeira, e depois esperaria outro bando chegar e começaria novas relações sociais. CERTEZA.

Mas como estamos cercados de coisas que foram criadas para que precisemos delas, tenho que menstruar sentada na cadeira, digitando no computador. Fingir que nada está acontecendo e carregar uma necessaire de bolinhas ridícula toda vez que for ao banheiro é parte do preço que tenho que pagar por viver numa sociedade com ipads, chocolates e cobertores felpudos.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

o jornalismo e as pessoas normais

Há algum tempo eu já desconfiava que a relação dos jornalistas com o jornalismo era algo muito próximo à masturbação. E isso inclui os assessores de imprensa, relações públicas e todos os operários da notícia.

Eu vejo tantas séries sobre a importância do jornalismo, entrevistas com jornalistas 'consagrados', debates sobre o futuro do jornalismo. E realmente me pergunto se alguém, além dos jornalistas, se importa. Porque, se as pessoas normais não sabem definir o que faz um assessor de imprensa ou um relações públicas, se a maioria delas não tem ideia de como é feita uma matéria, imagina se elas vão ter interesse no futuro do jornalismo diante da evolução das novas plataformas digitais. Até eu fico com sono só de ler isso (apesar de reconhecer a importância e etc).

O que eu sei das pessoas normais é que elas não leem tanto quanto parece, elas trocam fotos no facebook, querem saber de futebol e celebridades. Querem a previsão do tempo para o fim de semana e se o dólar vai fazer as férias ficarem mais baratas. É isso. Elas podem até achar (e acham) que os jornalistas sabem muito e que tudo aquilo que está escrito (falado, televisionado) saiu da cabeça deles. Mas não importa. Elas não sabem e nem querem saber o nome de quem assina a matéria da qual gostaram. Não se importam se a pauta X foi sugerida pelo assessor Y ou se fez parte da estratégia de um RP para a empresa Z. Elas simplesmente não se interessam. Quem faz isso, achando que uma entrevista, um debate, um chat ou uma série sobre o "fazer jornalístico" são algo de interesse público, somos nós, os jornalistas.

Nós e nossos egos enormes, nosso clubinho seleto do qual sabemos o nome dos integrantes que fazem parte dos grandes veículos/empresas/assessorias, nossas carteiras vazias e bocas cheias para falar nome e sobrenome corporativo. Nós e nosso inconfessável medo de que as novas plataformas digitais nos engulam e revelem ao mundo todo que somos normais, como todos. A única diferença é que a nossa masturbação preferida é outra.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

in wine we trust

Eu super compreendo o alcoolismo, e quando ele é consciente é ainda mais lindo, né.

Desde que a sociedade "explica" os vícios, ficou mais fácil se entregar a eles. Eu, quando era criança, não tinha a menor ideia do motivo pelo qual os drogados decidiam se drogar. Até que virei adolescente e descobri que esses motivos não existem: desde meus amigos que pegaram pesado até as minhas próprias experiências nada pesadas, todos bebem ou usam drogas pelo simples fato de usar. Mas aí a gente teve tanta palestra sobre drogas na escola, né, a gente leu tantos livros sobre o assunto, que ficou simplesmente impossível tentar não explicar tudo com o combo curiosidade/vontade de participar da turma/fuga para os problemas.

O item "fuga para os problemas" é o meu preferido. Porque é uma beleza, né, toda vez que eu estou cansada, chateada, puta, triste, de TPM e até mesmo quando estou feliz, eu recorro ao bom e velho álcool. Ficamos todos bem: eu, porque fico bêbada, o álcool, que continua sendo consumido e a minha consciência, porque, afinal de contas, todo mundo precisa de uma válvula de escape de vez em quando.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Estamos fadados a migrar eternamente

Eu gosto das redes sociais. Uso mesmo, tenho Facebook, twitter, LinkedIn e um Orkut amplamente utilizado no passado. E eu sei que todo mundo fala que o que aconteceu com o Orkut vai acontecer com o Facebook: sorry, babies, já aconteceu. Note que eu não estou higienopolizando e fazendo comentários como "Olha, a classe C entrou no orkut, se a minha empregada usa, eu não uso mais".

Eu fiquei bem chateada porque eu achava que o Facebook era uma coisa diferente, já que as pessoas precisavam pedir autorização para ser amigas. E daí que eu pensei, que ótima ideia, é uma boa rede social pra você compartilhar coisas pessoais, como fotos e pensamentos toscos, com gente que você realmente conhece e convive. Ou que conviveu no passado mas que continua fazendo diferença.

Ledo engano. Eu não contava com a minha capacidade limitada de dizer não e com a capacidade exagerada dos outros de insistir que você seja parte de seus 432 amigos colecionáveis.

A história foi assim: uma amiguinha de infância com a qual não tenho o menor contato e que nunca foi tão amiga assim me adicionou no FB. Como eu sempre faço com pessoas que quero ignorar, eu a ignorei. Não satisfeita, um mês depois ela me manda uma mensagem me cobrando porque eu não virei amiga dela. Aí eu a adicionei como amiga porque já tava virando uma saia justa, já que nesse meio tempo ela virou amiga do meu irmão e já está no nível "potencial cunhada". E depois disso ela nunca mais falou comigo, beijos.

Tudo bem que eu sou uma idiota e deveria continuar ignorando. Tudo bem que eu sou mais idiota ainda por refletir sobre isso a ponto de escrever um post que ela pode ler se virar minha cunhada (tomara que leia mesmo). Mas eu me senti mal com essa história por vários motivos:

- O fato de o Facebook ser fechado não significa que você vai manter seu facebook fechado. Porque uma rede social não domina o ser humano que está por trás dela (pelo menos ainda não), e no meu caso, eis um ser humano que cede a cobranças desse tipo;

- Gente que adiciona amigos compulsivamente em redes sociais, apenas para ter 805 contatos e não parecer um loser com 15 pessoas que realmente fazem diferença na vida (sim, estou exagerando);

- Me senti parte de um jogo de interesses onde o objetivo final era pegar meu irmão, e isso é muito estranho porque em momento nenhum ele fez parte do lado canalha da história;

- Me senti uma errante, tentando ir de rede social em rede social, em busca de pessoas que realmente façam sentido pra mim e zzzzzzzz

Só antes de ir, gostaria de saber dicar pra desabilitar umas pessoas do Facebook. Eu realmente queria tentar voltar a um mundo ideal onde só existem 15 pessoas.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

três mil e quinhentas pessoas

Três mil e quinhentas pessoas fizeram um abaixo-assinado para impedir que o seu feudo, o bairro de Higienópolis, ganhasse uma estação de metrô, o meio de transporte mais rápido, fácil e democrático dessas paragens.

São três mil e quinhentos que, provavelmente ricos e bem-nascidos, estudaram nas melhores escolas, falam inglês fluentemente e usaram bastante os metrôs de Londres, Paris ou Nova York. Três mil e quinhentos que concentram boa parte do PIB da cidade, e que não se importam que suas empregadas domésticas tomem três ônibus por dia, contanto que cheguem na hora. Eles têm carro, e andam a pé pelo bairro, que delícia tomar café da manhã na padaria de luxo e frequentar aquele shopping que tem lojas tão caras que já excluem a maior parte da cidade.

São os mesmos três mil e quinhentos cujos amigos, ali no Clube Pinheiros, proibiram as babás de não usar uniforme, afinal, elas precisam ser identificadas como serviçais. Os mesmos que dominam uma das maiores universidades do país, onde também não se pode ter metrô, porque veja bem, vai entrar "gente de fora" na USP. Não pode.

Provavelmente em Higienópolis mesmo há muito mais de três mil e quinhentos que pensam diferente, só não sei se eles têm força o suficiente para fazer com que o público se curve ao privado. Se bem que essa é que é a regra, né. Surpreendente seria se tivéssemos estações de metrô em Parelheiros, Jardim Pantanal e no Tremembé.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

quarta-feira, 4 de maio de 2011

eu queria poder comprar um divã

estilo vitoriano, bem grande
botaria no meio da cozinha
no banheiro, se coubesse
no corredor do trabalho, se desse

compraria um analista bem bonito
velho e com um relógio de bolso
e quando desse o tempo:
"acho que ficamos por aqui"

um analista com quem pudesse falar
reclamar sobre meu banheiro pequeno
minha falta de privacidade
minha vontade de ser mais independente
e como custou caro o divã vitoriano

o bom é que eu não comprei
afinal, não caberia
afinal, eu não poderia
e tenho que trabalhar aqui
porque já está dando o tempo

bad

Hoje é um daqueles dias, que chegam e se instalam como um parente folgado. Logo senta no sofá da sala, abre a sua geladeira e liga a Tv. E, olha, tá passando Zorra Total.

Dias como esse me dizem tantas coisas. Sobre esse incômodo que é viver, e sobre como não somos feitos pra essa rotina de todo dia. Eu não me incomodo de viver dura e pegar ônibus todo dia, mas nesses dias, passar por isso é massacrante. E aí você chega em casa e está tudo lá: o apartamento pequeno, precisando desesperadamente de uma faxina, todas aquelas roupas das quais você se cansou. A inquietação pelo fato de o tempo estar passando e de você não ter continuado o mesmo. E a mesma inquietação te mostrando no espelho que você tá mudando sim, e rápido.

Dias como esse não prestam. Nem com chocolate quente, cobertor e filminho. Nem com um livro que faça chorar e muito menos com o sol bom que tá lá fora. Combinam muito menos com esse computador, essa sala cheia de luz branca enquanto o sol amarelo e o céu azul gritam na janela à sua esquerda. Os telefones tocando, as piadas corporativas, as teclas fazendo o seu trabalho cotidiano de teclar sem nunca reclamar de nada. Os olhos, olheiras, cansados, quanta canseira, meu Deus, será que passa?

E aí você se dá conta de que está na TPM. E tudo só piora.