terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Trabalhar é um saco, mas alimenta

Eu sempre fui desastrada. Esquecida. Desajeitada. Enrolada. Parte é pela minha genética fofa, parte pelo fato de eu ser canhota, parte inexplicada. E aí que eu nunca liguei muito pra isso, sempre fiz piada com o fato de o meu anjo da guarda ser o melhor e ficava meio brava quando as pessoas me chamavam pra realidade.

Só que um belo dia, mais precisamente no dia 07 de fevereiro, estava eu curtindo minha última semana de férias quando sofri o acidente mais ridículo da minha vida. Entrei numa loja, não vi direito onde pisei e caí de uma altura considerável. Bati as costas, a perna e trinquei a bacia. Fiquei duas semanas de repouso e me culpando mortalmente por não ser mais cuidadosa.

O bom de ter ficado essas duas semanas em casa, além das visitas e dos mimos que recebi, foi entender que eu nunca, jamais, em tempo algum, posso passar tantos dias sozinha. Eu sempre achei que o melhor emprego do mundo era trabalhar de casa, frilando e organizando meu horário como quiser. Defendi o home office com unhas e dentes. Mas não, minha gente. Ficar em casa (e eu cheguei a semi-trabalhar uns dois dias) só me tornou mais louca, descontrolada, deprimida e ansiosa.

Gente faz falta. Faz falta reclamar de alguém, ficar irritada com o colega que grita, fofocar na hora do almoço, fazer uma piada com a pessoa que tá do lado, ouvir um cochicho na outra mesa. Dar risada da roupa ou do cabelo de alguém que veio trabalhar mais inspirado. Resmungar do outro que fez corpo mole e não quis te ajudar. Levantar pra pegar uma água e dar uma olhada geral no que tá rolando no escritório.

Esta semana vim trabalhar com o maior sorriso e ninguém está entendendo nada, porque estou convalescente, meio mancando e devia querer descansar. E, juro, termino o dia desejando loucamente a minha casa. A diferença é que eu cheguei à conclusão de que aquela sensação de "que saco trabalhar" é até que gostosinha. Faz bem e alimenta a alma ter algo do que reclamar quando se chega em casa. (Além da parte boa, mas se esse blog fosse de partes boas ele não teria esse nome, né.)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

coaching para mendigos

Eu tenho um ~~~~amigo~~~~ no meu ponto de ônibus (chamá-lo de meu é total licença poética, porque o ponto fica na Paulista, mas é o que eu uso então é meu).

Todos os fucking dias o jovem senhor aborda todas as fucking pessoas que estão no ponto para pedir dinheiro. Só que é assim: ele sofreu um avc ou derrame ou sei lá e fala BEM DEVAGAR. E ele aborda as pessoas assim:

- Bom dia. (velocidade menos cinco, gente, sério, o bom dia dele dura uns 15 segundos)
- Bom dia.(e vc tem que responder, né, bom dia também)
- Obrigado pelo seu bom dia. Eu fico muito feliz por você me dar atenção. Vou falar com você porque eu não aguento mais a minha vida. Eu sofro porque eu tenho uma filha de cinco anos que chora de fome todo dia e eu estou aqui vendendo essas balinhas...(e conta a história mais longa da vida na velocidade mais lenta da vida)

A questão é que eu sou uma pessoa simpática. Trato ele muito bem e ouço todo dia a mesma história. Eu já dei dinheiro várias vezes, mas ele não se contenta com o dinheiro, se ele falar 'bom dia' e você der o dinheiro, ele não aceita, ele quer contar a historia. E se você diz "moço, ontem eu falei com você, lembra? já sei a história, toma o dinheiro", ele não aceita. Você tem que ouvir a fucking história todo dia senão ele fica ofendido. E quase nunca dá pra ouvir porque ele fala tão devagar que o ônibus sempre chega antes. E você deixa ele lá falando devagar e sozinho.

Eu me sinto mal, sabe? Por não ter paciência, por deixá-lo falando pra pegar meu ônibus, por dar logo a moeda pra ele antes de ele contar a história. Tá tão foda que eu tô quase mudando de ponto. Porque realmente a história é triste, mas eu já decorei tudo e ele não me dá nem a opção de pagar pra não ouvir tudo.

E tudo o que esse homem precisava era de um coaching de mendigos. Eu na minha breve experiência como caloura pedindo dinheiro daria vários toques incríveis: ponto de ônibus é um ótimo lugar porque as pessoas têm trocado (ponto pra ele!), velhinhas e senhorinhas são ótimas vítimas e é sempre bom ter um resumo da ópera pra não se cansar de contar a mesma história (a minha desculpa era: os veteranos malvados roubaram meu sapato e só vão devolver se eu der dinheiro pra eles).

OK, vou pro inferno, já sei.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

paranormalidade

Quando eu tinha uns 10 anos, meus pais tinham acabado de se separar e meu pai arrumou uma namorada nova. Um dia, eu estava com os meus primos em uma festa da família dele (que é enorme). Ele chegou atrasado e logo começou a contar o motivo, que estava relacionado provavalmente ao fato de ele ter passado a noite com ela. Eu não ouvi nada do que ele falou, mas entendi tudo pelas caras reprovadoras e constrangidas que as pessoas em volta fizeram e pelo susto que ele tomou quando me viu. Eu saquei a situação sem precisar ouvir um só palavrão.

Em outra ocasião, quando eu tinha cinco anos, eu estava brincando quando um dos meus irmãos chegou com uma tesoura na mão. Eu estava de costas e não vi. Minha mãe, falando em código, apontou disfarçadamente para mim e disse que tinham objetos presentes no recinto que não eram adequados a uma certa pessoa (no caso, eu). Sem ver toda a encenação, eu falei serenamente: "É, eu sou criança e não posso brincar com tesoura". E continuei de costas, para assombro geral da nação.

Essas histórias ilustram bem todo o período da minha vida em que estive consciente (o que, stricto sensu, não é um período muito longo): eu não entendo muito bem o que as pessoas dizem, posso não ver o que está rolando, mas saco a situação num nível quase paranormal. Não é muito legal porque eu sei quando estão mentindo, sei o que os outros pensam sem mesmo precisarem falar nada, sei quando me odeiam e sei suas intenções escusas. Uma de minhas brincadeiras preferidas é seguir tratando normal e fingindo que não sei quando sei. Recomendo.

Ter esse tipo de consciência é quase ser um primo pobre dos X-Men: você ganha um poder mas é um mais chatinho que vai te magoar e mostrar que quase ninguém é legal de verdade. (Porque, sério, quase ninguém é mesmo)

Enquanto isso, eu sei que o papo da tesoura se refere a mim, sei que meu pai foi pro motel com a namorada, mas o que posso fazer, né? Fingir que isso não existe? Rola toda uma aceitação da "vida real de verdade". O que explica, em parte, esse meu jeitinho especial: eu sou a descrente mais crédula desse mundo. Uma fofa impressionável ou uma megera hipócrita, qualquer coisa serve.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

os anos ímpares

Eu não tinha nada contra eles, mas aí comecei a observar. Não que os anos ímpares sejam precisamente ruins, mas em comparação com os últimos anos pares, que foram incríveis, eles ficam meio apagadinhos. E perdem espaço no meu coração.

Estou com uma expectativa pra 2012 que mal posso conter. Eu acho que vai ser um ano foda, a despeito de todos os prognósticos que apontam o contrário. Mas ninguém me engana, eu vou tirar férias em menos de 15 dias e vou fazer 30 anos. É uma mistura que não pode dar errado.

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Fim de ano combina com recolhimento, e eu acho que as pessoas não sabem lidar com isso. Todo mundo sabe, todo mundo sente que é hora de desacelerar, o que parece piorar o comportamento frenético de compras-festas-comilança-agito dessa época. E eu, enquanto isso, dei uma diminuída no álcool, perdi (um pouco) da gula absurda e desencanei das baladas. Nem TV eu tô vendo, nem na academia eu tô indo, nem conversar direito eu tô conversando, pra não estragar as coisas que estão rolando aqui dentro. E tá bem bom, viu.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

quinta série

Religiosamente ele me procura. É engraçado porque eu quase nunca me lembro dele, mas ele sempre surge com uma dúvida, uma pergunta, um comentário ou algo do tipo. Ele sempre me manda uma mensagem ou um email ou um recado no facebook.

Ele nunca me tratou bem, e continua não me tratando. Num passado bem passado, quando eu gostava dele e ele sabia, ele me esnobava como ninguém. Mas não sumia. Jamais. Eu nunca fui burra, apesar de ter sido bastante inocente, e sabia o que isso significava. Que ele queria manter uma certa reserva de mercado para que, quando ele precisasse, quando estivesse sozinho e sem opções, sempre tinha aquela menina magrela que gostava dele.

Só que isso já faz tempo. E ele continua. Me chamando por apelidos depreciativos, fazendo comentários infantis, me perguntando coisas que só eu sei. "Como é o nome daquela banda que vc gostava mesmo? Tô querendo lembrar aquela música". Não faz sentido. São perguntas que só eu posso responder, e muitas das coisas eu nem me lembro mais. Mas ele continua. Forçando um contato, e esperando talvez que eu tivesse continuado como reserva de mercado, agora menos magrela.

E isso só reforça a grande, sábia e inexorável teoria de que nunca saímos da quinta série. Bendito o dia em que me foi dada essa sabedoria.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

uma fuga de Bach

O que mais me angustia é o fato de eu entender cada vez menos das motivações dos outros. O que afeta diretamente as minhas próprias motivações.

Eu não sei porque as pessoas vivem em busca de carros casas roupas viagens baladas restaurantes cabelos silicones lipos melhores e incríveis. E ficam nesse engolimento todo dessas experiências e coisas que não fazem o MENOR sentido. Mas no dia seguinte eu acordo louca pra sair comprando como se não houvesse amanhã.

E eu ando triste porque o meu engolimento que me tirava de tudo, meu alcoolzinho que me fazia tão legal e descolada e inteligente e engraçada, "olha como a Vívian é doida", não tem mais cabimento nenhum. E isso é triste pra caralho. Tomar uma decisão tão racional de ser você mesmo e ter que encarar tudo isso. Sem remédios. Sem drogas. Sem consumir nem comprar nada. Porra, é uma dor. Tapas na cara diários de realidade.

E o fato de estar lúcida e mais lúcida me faz entender menos ainda os outros. E perder a conexão com tudo isso. E a mente vagueia por aí, sem rumo, mendigamente.

Eu não quero nada disso. Não quero queijos e vinhos nas sextas à noite, não quero amigos com hora marcada pra ir embora dizendo como sou legal, não quero ir no bar/bistrô da moda pra falar que fui, não quero roupas indie, música indie, festivais indie, os indies que se fodam. Não quero ficar nessa espiral de substituir o happy hour de um dia pela viagem do fim de semana pelas férias fantásticas pela praia exclusiva pelo iPhone iPad iPod.

Cara, e como eu tô sozinha nisso tudo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

o elefante voltou

E ele fica lá, enorme, no meio da sala. Eu faço ioga e ele me olha, estou no computador e ele dá uma trombada em mim, e não sai mesmo quando mais pessoas estão em casa. E só eu percebo que ele está lá, elefando do nosso lado.

Até nos meus sorrisos, é como se estivesse escrito: e-l-e-f-a-n-t-e, uma letra em cada dente. É tudo mentira, gente, ninguém percebe?

Ontem eu li uma matéria sobre o quanto as pessoas estão usando cada vez mais remédios atidepressivos, pra dormir, pra acordar, sei lá o que. Pra aguentar a rotina. Pra ser feliz e normal enquanto trabalha, trepa, fica no trânsito, sai pra beber com os amigos, sorri e lava louça. Você faz tudo isso, menos saber. Menos ser e pensar o que você é. É difícil explicar mais burramente do que eu expliquei, mas é mais ou menos isso.

Eu lido com esse peso e essa dor de ser eu mesma faz ó, um tempão. Nunca quis falar sobre isso, nunca quis um remédio pra não ser isso. Eu escrevo às vezes, mas não quero fingir que o elefante não está lá. Eu quero comer o elefante, matá-lo num safári, quero ser engolida por ele. Qualquer coisa menor tomar uma bala mágica pra que ele se torne transparente ou vire um passarinho feliz.

Enfim, é isso, ele tá de volta, incomodando muita gente. E eu só preciso saber dividir espaço, ficar amiga dele ou convidá-lo a sair. Não tá fácil, viu.